O financiamento da seguridade social foi o tema do painel que abriu os trabalhos da manhã de terça-feira do VII Fórum Jurídico de Lisboa, uma iniciativa da Fundação Getulio Vargas (FGV) em parceira com o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). João Marcos Amaral, Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), reafirmou a importância e relevância do tema hoje não apenas no debate brasileiro. Ele coordenou a discussão junto ao professor Marcelo Proença, Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasilia (UnB) e Procurador do Distrito Federal.
A razão disso, disse Amaral, se deve à fadiga dos arranjos dos consensos políticos institucionais vigentes no que se convencionou chamar de estado social de direito, dentre os quais o modelo de financiamento da seguridade social. O tema é caro a qualquer país que se pretenda desenvolvido porque presta homenagem ao princípio da dignidade humana.
Leonardo Rolim, secretário da Previdência Social do Ministério da Economia, primeiro palestrante, ressaltou a necessidade urgente de ajuste do modelo de seguridade social brasileiro – especialmente o regime previdenciário -, a partir do conhecimento dos números do País. A Constituição Nacional traz o conceito de seguridade social com fontes de financiamento e uma divisão entre Previdência, Saúde e Assistência. Na visão de Rolim, não há dúvida de que há um déficit tanto da previdência quanto da seguridade social e o mais importante é que esse déficit vai crescer muito, considerando o envelhecimento acelerado da população, de forma mais rápida do que a de outros países.
A realidade aponta para uma taxa de fecundidade declinante e, na outra ponta, o prolongamento da vida. A expectativa de sobrevida de quem chega à idade da aposentadoria aumentou em mais de 6 anos, considerando dados da década de 80. Hoje, a idade média de aposentadoria é abaixo de 60 anos e há muitas exceções exatamente para quem tem emprego de melhor qualidade e maior renda. Para Rolim, “algo está muito errado neste sistema”.
Luiz de Mello, Doutor em economia pela Universidade de Kent, na qualidade de Diretor da seção de Estudos Políticos do Departamento de Economia da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), fez um relato sobre os desafios no âmbito da organização, mostrando o impacto dos desvios da seguridade social na maioria desses países, que enfrentam regimes e situações distintas, mas comungam a necessidade de enfrentar o envelhecimento de suas populações, tal qual o Brasil.
Além das naturais consequências negativas a enfrentar sobre gasto público em saúde, pensões e a necessidade de reformas, há, segundo Mello, impactos indiretos do envelhecimento sobre a oferta de trabalho e a capacidade de crescimento potencial dessas economias, englobando a necessidade de políticas complementares de emprego e de renda. A demografia é adversa até em países atualmente jovens. Em alguns casos, o gasto em reformas já é alto em relação às condições demográficas. As simulações mostram que o impacto direto será muito forte e, sem mudanças, será necessário grande esforço fiscal no futuro. Se não houver alteração, com políticas complementares para aumentar a produtividade, o crescimento vai se reduzir.
José Roberto Afonso, Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Professor da FGV e do IDP, que palestrou na sequência de Mello, centrou sua fala nas imensas mudanças em processamento nas sociedades modernas. Há uma revolução digital em curso, não são mudanças apenas tecnológicas, mas sociais e trabalhistas importantes. Se antes a preocupação era ter emprego e salário, em um segundo momento a briga se dá por proteção social e direitos, onde nasce a previdência social e o seguro desemprego. Hoje, entramos numa nova era, a 4.0, onde o trabalho não está necessariamente ligado ao emprego.
Se no passado se construiu um conceito de seguridade baseado no emprego, é momento para repensarmos pois o custeio do sistema baseado em salário já está em vias de baixa e isso vai se agravar pelas tendências de automação e da nova economia, o que dificulta o financiamento da previdência clássica. Mesmo a previdência privada está comprometida uma vez que as pessoas individualmente mostram uma baixa taxa de poupança para a velhice. O grande desafio, pontua Afonso, é como evitar a inseguridade social que nasce dessa geração onde cada vez menos trabalho significará emprego. O custeio que hoje está baseado em folha de salário vai ter que migrar para outras fontes tributárias e ampliar os conceitos de política que vão além da previdência para dar atenção à assistência em saúde.
Bruno Dantas, Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), ressaltou que o debate sobre a previdência é repleto de tabus e que o TCU tem experiência para ajudar a destruir mitos. Dantas registrou que o amadurecimento deve se dar com uma maior circulação das informações. O debate, para ele, une a federação, mas divide a sociedade, por isso a transparência é fundamental: “Todos querem que melhoremos as contas da previdência, mas ninguém quer majorar o seu quinhão(…)”. Dantas disse que é preciso sinceridade nesse debate e que o governo não deve se furtar a apresentar os insumos e dados que fundamentaram sua proposta de reforma. Só assim, a sociedade poderá se convencer de que esse é o momento de proceder às mudanças.
Confira na íntegra o painel O financiamento da seguridade social no VII Fórum Jurídico de Lisboa: