Ricardo Couto de Castro, Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), foi o mediador da 2a Conferência de Abertura, que tratou do tema das Reformas na Justiça, no Domínio Penal e Processual Penal no VII Fórum Jurídico de Lisboa. O encontro é uma iniciativa da FGV em parceria com o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).
A mesa teve como conferencistas Alexandre de Moraes, Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) , Mauro Campbell, Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Pedro Gebran Neto, Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4), Felipe Santa Cruz, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Paulo Sousa Mendes, Doutor em Ciências Jurídicas e professor da FDUL.
O Professor Ricardo de Castro abriu os debates registrando a necessária análise constitucional que certamente será feita pelo STF quanto a temas como a prisão em segunda instância, a presunção de inocência e mesmo a perspectiva de um estímulo à progressão do sistema penal para aqueles que não estejam associados a comandos criminosos, questões levantadas previamente pelo ministro Sérgio Moro na apresentação de seu Projeto de Lei Anticrime. No Brasil, não raro, disse ele, o preso é levado a se unir a uma facção, quando detido, para sobreviver. Como o Estado deverá proceder para evitar isso? Esses são os pontos que ele abriu para os debates entre os palestrantes.
O Ministro Alexandre de Moraes avalia que só com uma mudança de mentalidade a Justiça penal poderá evoluir e impactar positivamente a segurança pública: “Podemos alterar inúmeras leis – e isso é importantíssimo –, fazer políticas públicas diversas, mas, se não alterarmos a mentalidade de atuação da justiça penal, vamos continuar enxugando gelo”, disse. “Falo com conhecimento de causa, atuando em várias frentes, como promotor de justiça, secretário de justiça e de segurança pública e agora como ministro do Supremo Tribunal Federal”.
Isso foi compreendido pelo presidente da Câmara, Deputado Rodrigo Maia, quando em outubro de 2017, convidou o ministro e o deu liberdade para montar e presidir uma comissão de juristas com a finalidade de propor alterações na legislação para o combate à criminalidade organizada e não simplesmente – como até então vinha sendo feito – de mudança para elevação de penas, lembrou Moraes. As alterações eram de estrutura da justiça penal para o combate à criminalidade, completou.
Foram ouvidos todos os segmentos que atuam nessa área, associações, presidentes dos tribunais de justiça, delegados gerais de polícia, defensores públicos, comandantes das polícias, para verificar os problemas estruturais. Hoje, o projeto está sendo discutido junto com o do Ministro da Justiça, Sérgio Moro. “É essencial mudar perspectivas de atuação da justiça penal, que se acostumou a trabalhar muito, mas não de forma coletiva. Um trabalho sem perspectiva global, enquanto a criminalidade foi se ampliando e se sofisticando”.
Mauro Campbell, do STJ, subscreveu o que o Ministro Moraes mencionou e confirmou que não será com alterações legislativas que os problemas de segurança pública serão resolvidos, mas com mudança de gestão pública, em todos os seguimentos da Justiça – da polícia judiciária civil, militar, do aparato de segurança publica, dos juízes, ministros, desembargadores, da estrutura judiciária como um todo. Para o ministro, não se pode tratar com amadorismo a segurança pública, que exige técnica. É preciso mudar as posturas dos agentes. “Minha mensagem é que é preciso retomar o acompanhamento da execução da pena. Ter fiscalização das penas alternativas”, disse.
O Desembargador do TRF4, João Pedro Gebran Neto, mostrou a taxa de mortalidade no Brasil, afirmando que a desigualdade é talvez a principal causa da criminalidade, mas não a única. Nosso país é violento, o sistema prisional é perverso e o Estado falha na justiça e na segurança. Pelo levantamento do Infopen de 2016, hoje, são 720 mil presos, 5,4% mulheres. São 13% os presos por crimes contra pessoas e 44% por crimes patrimoniais. 54% dessas pessoas têm pena inferiores a 8 anos. O regime fechado por força da lei é imposto apenas para aqueles que têm penas acima de 8 anos, ou seja, 54% dos condenados estão ou deveriam estar no regime semi-aberto ou no regime aberto.
O Desembargador sugere acabar com o regime semi-aberto e iniciar o regime fechado com 6 anos de pena privativa de liberdade. Abaixo desse número, teríamos o regime aberto ou aberto diferenciado, com a prisão domiciliar com tornozeleira, desafogando as unidades prisionais. Ele também sugere aplicar no Brasil a experiência do estado americano do Havaí, chamado HOPE Probation. Lá, o idealizador mudou o sistema de penas: para pequenos desvios, pequenas detenções. Depois de 10 anos, a redução de prisão por droga ou falha foi significativa.
Felipe Santa Cruz, Presidente do Conselho Federal da OAB, destacou no início de sua fala a relevância do encontro em Lisboa. “Por incrível que possa parecer, talvez um debate como esse com suas múltiplas ideias e participação de setores variados do pensamento brasileiro seria impossível de ser realizado no Brasil”, disse, referindo-se ao momento de intransigência, violência e agressividade que alguns setores minoritários tentam impor à maioria e àqueles que efetivamente acreditam que é possível, sim, superar os problemas graves da nossa nação, mas isso só se dará através da livre busca de consenso e do respeito à opinião do próximo.
“(Venho a este debate) com muita honra ouvir, inclusive, os que pensam de forma variada, porque esse é o papel de todos nós e o nosso país vive um momento infelizmente em que esse debate deveria ser repetido toda semana na academia brasileira. Parabéns aos organizadores”. Santa Cruz acrescentou em sua fala que a segurança e a questão penal ganharam a paixão do povo brasileiro na medida em que se tornou um ato de heroísmo viver nas grandes cidades do Brasil. “O brasileiro quanto mais pobre for, mas difícil viver nas cidades do nosso País”. Para ele, não podemos achar que uma fase aguda de um mesmo procedimento nos levará a um resultado libertador ou diferente daquele que foi produzido anteriormente.
Finalizando o painel, Paulo Sousa Mendes, Professor da FDUL, fez uma análise comparativa da colaboração premiada no Brasil com legislações similares em vigor em outras partes do mundo como Portugal, Alemanha e Itália. Em relação ao plea bargain, negociação da confissão praticada no sistema jurídico norte-americano, Sousa Mendes pontua que há uma confusão que surge nas abordagens mais comuns ao tema da colaboração premiada. “Não acredito que seja comparável porque a negociação da confissão é uma dispensa de provas. A inspiração é indireta”. Ainda que ambas as figuras caibam na ideia geral da justiça negociada, a figura da confissão visa apenas dispensar a prova para a colaboração do réu. O professor acrescentou que a colaboração premiada se inspira indiretamente no acordo de cooperação, que é outra variante da justiça negociada praticada nos Estados Unidos.
A pior perversão dos modernos sistemas inquisitoriais, pontua Sousa Mendes, é a transferência dos autos da investigação criminal para julgamento. Permite-se, assim, que o julgador possa ser unilateralmente influenciado pela leitura dos autos e potencializa-se um efeito de aliança ou solidarização entre as perspectivas do Ministério Público e do tribunal. “Eu creio que haja espaço para melhorar a prática da colaboração premiada”. O mínimo seria o desentranhamento do dossiê que contenha toda a informação da negociação falhada. O máximo que se pode desejar é o impedimento do juiz que homologou o acordo para julgar enquanto garantia fundamental da imparcialidade do tribunal de julgamento.
Confira na íntegra a 2a Conferência de Abertura: Reformas na Justiça, no Domínio Penal e Processual Penal do VII Fórum Jurídico de Lisboa: