A revolução tecnológica que possibilitou a circulação em tempo real da informação e permitiu a interação massiva das pessoas nas redes sociais impôs desafios ao mundo jurídico, pela dificuldade da regulação desse novo ambiente, o ciberespaço. O tema orientou as intervenções na tarde da quarta-feira, fechando o ciclo de workshops no terceiro e último dia dos trabalhos no VII Fórum Jurídico de Lisboa, uma iniciativa da Fundação Getulio Vargas (FGV), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL).
Compuseram a primeira mesa do painel 3 dos ciclo de workshops, Dan Wielsch, Pós-doutorando pela Universidade de Frankfurt, presidente do Conselho de Direito Civil e Jurídico e professor da Universidade de Colônia, que palestrou sobre a regulação do direito privado de intermediários digitais, Domingos Farinho, Doutor em Direito e Professor da FDUL, que falou sobre o tipo de regulação admissível nesse ambiente, e Ricardo Campos, Doutorando em Direito e Professor Assistente da Universidade de Frankfurt, que focou a discussão no Brasil e em como se deu a evolução do uso da internet e das plataformas digitais no país. A coordenação foi de Mariana Melo Egídio, doutoranda em Direito e professora da FDUL.
As plataformas digitais impactaram a modelagem dos negócios relacionados à produção de conteúdos e circulação da informação, que ganharam, nos últimos 15 anos, dimensão global. As novas tecnologias propiciam o colhimento e o processamento de dados por algoritmos. A partir dessa mudança, houve a necessidade de se discutir a regulação. No Brasil, ela foi feita tardiamente pelo Marco Civil da Internet em 2014 e novas formas de regulação estão em discussão.
A primeira detecção de efeito negativo desse processo ocorreu na Primavera Árabe. Para Campos, foi aí o início do questionamento do poder de agregação ou desagregação das redes sociais. E ali teria ficado claro que, através do Twitter e Facebook, abriu-se uma nova possibilidade de movimentos públicos que não eram mais intermediados por associações, sindicatos, partidos políticos. As pessoas se juntavam nas ruas pelo fato de estarem nas redes sociais.
O desafio seria, portanto, pensar e propor formas concretas de se lidar com os efeitos negativos que podem ser produzidos pelas mídias sociais, como a disseminação de fake news.
A segunda mesa da tarde foi composta por Thomas Vesting, Doutor em Direito e Ciências Políticas pela Universidade de Tubinga e professor da Universidade de Fankfurt, Fabro Steibel, Doutor em Comunicação pela Universidade de Leeds, diretor executivo do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio de Janeiro e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Alexandre Zavaglia, Doutorando em Direito pela Universidade de Campinas e Diretor do Instituto de Direito Público de São Paulo, Guilherme Machado Dray, Doutor em Ciências Jurídicas e Professor da FDUL, José Leovigildo Coelho, Doutorando em Tecnologias e Inteligência Artificial aplicada à Medicina Diagnóstica pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Coordenador de Tecnologia da Informação da FGV, e Juliano Maranhão, Pós-doutor em Ciência da Computação da Universidade de Utrecht, Pesquisador da Fundação Alexander von Humboldt, Professor convidado da Universidade de Frankfurt e Professor da Universidade de São Paulo (USP).
Questões novas e desafiantes surgiram com os avanços tecnológicos. Nenhuma é mais desafiante do que pensar na aplicação da inteligência artificial e no uso dos robôs em atividades até então apenas humanas. Os robôs, segundo Steibel, podem ter bom uso na produção de conteúdo para redes sociais, mas, quando se pensa na indústria da desinformação, vemos o mau uso deles: “Esses robôs das redes sociais geralmente não utilizam inteligência artificial. Eles são simplesmente programas criados para parecerem humanos”.
Questões de ordem mais sensível e ética surgem no rastro do desenvolvimento da robótica e da inteligência artificial e o uso mais intensivo dessas tecnologias, como o debate em torno da personalidade jurídica dos robôs. Se há interação entre o ser humano e os robôs, como se dará a responsabilização no uso, será de quem cria e/ou programa e faz as escolhas do robô? Onde fica o tênue contorno que determina os limites éticos de tais pesquisas e avanços?
Já o uso da robótica vem crescendo no meio jurídico. Coelho aponta o uso na análise de fraudes em documentos, dados e emails, na análise de documentos e contratos, na leitura, segmentação e cadastros de iniciais, na análise e sugestão preditiva de decisões (com base em dados e históricos), na sugestão de jurisprudência correlacionadas, na pré-formataçao de documentos, de peticionamento eletrônico e apoio na solução de conflitos, entre outros usos.
Steibel apresentou dados de um teste piloto em que 20 documentos foram passados para 20 advogados e para um algoritmo treinado para encontrar os erros. A taxa de acerto da inteligência artificial foi de 95%, a dos advogados 86%; o tempo médio de execução dos advogados foi de uma hora e da inteligência artificial foi de 26 segundos. “Imagino que os resultados encontrados aqui possivelmente são a realidade hoje ou muito próximo”, disse ele, que acredita que, no campo jurídico, vai acontecer um grande aumento do uso da inteligência artificial.
Também Zavaglia mostrou como a tecnologia está ajudando a classificar informações e ler documentos jurídicos, “não só entendendo como um buscador de palavras, mas entendendo o contexto”. Ele ressaltou, no entanto, que faltam dados organizados para que a tecnologia possa funcionar bem na área do Direito, por isso tem trabalhado no desenvolvimento de um software de cadastro.
Quanto ao mercado de trabalho e a robótica, Dray disse que há muito se fala do desemprego massivo como resultado da substituição do trabalho humano pelas máquinas, mas não é o que se vê, de fato. Hoje, o que se observa com a tecnologia intensiva é o crescimento da produtividade que, ao contrário, possibilitou o surgimento de novas atividades. Ele reconhece que o tema é complexo e a discussão se faz necessária porque, sem dúvida, a tecnologia impacta as formas de trabalho, o que pode prejudicar o estado social de direito, pela geração de conflitos sociais e desemprego. Mas o debate deve-se se dar, sem pânico. Coelho citou John F. Kennedy, em 1962, que disse que o ser humano teve o talento de inventar as máquinas que expulsaram o homem do trabalho, mas tem o talento para trazê-los de volta.
Thomas Vesting falou sobre o que muda na esfera pública com a inteligência artificial, o conceito de unbundling e o novo modelo digital a ser aplicado na esfera pública.
Confira na íntegra o workshop Regulação da informação no ciberespaço no VII Fórum Jurídico de Lisboa:
Confira na íntegra o workshop Robótica e inteligência artificial no VII Fórum Jurídico de Lisboa: