Ativismo constitucional é a versão moderna do conhecido ativismo judicial, tido como a interferência do Poder Judiciário nas esferas Executiva e Legislativa. Esse fenômeno é decorrente do próprio Estado Democrático de Direito Constitucional que autoriza a participação efetiva do Judiciário para fazer valer as normas constitucionais no campo de atuação dos outros dois Poderes. O ativismo na justiça constitucional foi tema do sexto painel, no segundo dia de trabalho do VII Fórum Jurídico de Lisboa.
Paulo Gustavo Gonet Branco, Subprocurador-geral da República, Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e Professor do IDP, mediou os debates dessa mesa, pontuando que a história do ativismo constitucional tem muito a ver com a complexidade das sociedades, no presente, que convivem com diversas narrativas de um mesmo fato, o que pode produzir como consequência confusão e desentendimentos: “É importante analisar os fatos com olhar técnico e honestidade intelectual, que é o que faremos hoje”.
Maria Lucia Amaral, Provedora de Justiça portuguesa, Professora Catedrática da Faculdade de Direito da Universidade Nova e Ex Vice-Presidente do Tribunal Constitucional rememorou, em sua fala, a origem do termo ativismo judiciário. “Na sua gênese, essa é uma ideia de concepção jornalística”, disse, lembrando que, em 1947, o jornalista norte-americano Arthur Schlesinger Jr. cunhou a expressão em um artigo publicado na revista Fortune. “Ninguém sabia o que queria dizer o termo para a ciência constitucional. Com esta gênese, o ativismo continua a nos perseguir”. Amaral resgatou testemunhos para lançar à mesa reflexões profundas sobre o conceito na atualidade.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Doutor honoris causa da Universidade de Lisboa, Doutor em Direito Constitucional e Instituições Políticas da Universidade Paris 1 – Panthéon – Sorbonne e Professor Emérito de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP), propôs, na sequência, uma análise preliminar da relação entre a judicialização da política e o fenômeno do ativismo judicial. “Uma coisa é judicialização da política, que é consentâneo com a Constituição, outra coisa é o ativismo judicial que é uma violação dos princípios constitucionais e do Estado de Direito”. Para ele, o termo ativista, inicialmente de viés crítico, hoje assume o sentido de militância por uma causa e uma militância que se escora em pretexto e variáveis doutrinas. “O ativista põe sua opinião acima da lei, ou de modo velado por meio de interpretações que negam o significado do texto, a história desse ou o entendimento comum, ou por modo frontal, criando normas que a Constituição ou a lei não previram. Trata-se, a meu ver, de arbítrio”.
Para Carlos Blanco de Morais, Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa e Professor Catedrático da FDUL, o ativismo tem sido definido como um desvio do exercício da função jurisdicional, com ultrapassagem dos limites constitucionais e que envolve uma incursão dos tribunais através de suas decisões no núcleo das funções próprias dos poderes Executivo e Legislativo. Ele se vale do conceito de “líquido”, tese de Zygmunt Bauman, em seu raciocínio sobre a temática e o que considera ser “as constituições líquidas e suas mutações informais.” A ideia de liquefação da normatividade constitucional seria, em sua opinião, curiosamente, um dos problemas sensíveis do Estado de Direito, desde a década de 1990 até a atualidade. A expressão constituição líquida, para ele, deve ser compreendida à luz de recentes transformações na sociedade civil e política dos estados democráticos do universo euro-americano, no contexto de uma modernidade que alguns sociólogos batizaram de “modernidade líquida”.
Contrapondo-se, o “universo sólido” do século 20 teria começado a derreter nos primórdios do século 21 por um conjunto de razões. A dissolução das lealdades tradicionais – os direitos, as obrigações costumeiras e estruturas familiares em favor de uma modernidade individualista e do império da economia; perda de dimensão territorial do poder, de referências nacionais, catalisadas pela globalização migratória. Uma multiplicação de autoridades crescentemente esvaziadas de poder real. Dissolução das normas jurídicas numa crescente falta de clareza, o que gera incerteza, casuísmo, evolução para sistemas jurídicos frouxos e ausência de uma obediência de preceitos objetivamente identificáveis. Nesta situação as disposições constitucionais tendem a perder a sua natureza de direito decidido por um legislador constituinte legitimado pelo voto popular para assumir conteúdos diferentes e até contrários aos preceitos originários – gerando decisões judiciais contraditórias e não devidamente fundamentadas em prejuízo claro da segurança jurídica, um dos pilares do Estado de Direito e uma garantia dos cidadãos.
Elival da Silva Ramos, Doutor em Direito e Professor da Universidade de São Paulo (USP), encerrou o painel, avaliando que o ativismo judicial está mais presente em países em desenvolvimento, como Brasil, Colômbia, África do Sul. “O que nós verificamos é que as pessoas, os agentes políticos tentam resolver tudo ao mesmo tempo, sem planejamento, sem sistematização, sem se organizar para isso, como se fosse um prédio que está pegando fogo e todos querem sair procurando extintor de incêndio, escadas etc, e todos morrem queimados. ” Ele diz que o Brasil vive essa situação, que impregna as instituições, que igualmente tentam resolver simultaneamente todas as questões, o que acaba por produzir choques de natureza institucional. E sintetiza dizendo que o ativismo é simplesmente um capítulo dessa grande novela, sendo uma disfunção: “É algo contrário ao que a constituição autoriza”.
O Professor reforçou a diferença entre judicialização e ativismo judicial. O primeiro refere-se a intervenções judiciais provocadas por diversos fatores e até mesmo pela própria constituição. O segundo seria a distorção do que a constituição estabelece. E apontou três caminhos para enfrentar o ativismo judicial: 1) uma reforma política autêntica, melhorando o sistema eleitoral partidário; 2) no plano acadêmico, combater sem tréguas o neoconstitucialismo e, 3) combater o próprio mal com o mal. “A forma mais eficaz de combater o ativismo seria mudar a composição do Supremo Tribunal Federal, tendo uma composição diferente, com pessoas com outras perspectivas, com indicações variadas.”
Confira na íntegra o painel Ativismo na Justiça Constitucional no VII Fórum Jurídico de Lisboa: